NOTICIÁRIO Sábado, 05 de Setembro de 2020, 09:49 - A | A

Sábado, 05 de Setembro de 2020, 09h:49 - A | A

ARMAS NÃO

Promotor defende que tiro esportivo não deve ser estendido a adolescentes

A conclusão do inquérito que apura a morte de Isabele Ramos, de 14 anos, em um condomínio de luxo em Cuiabá no dia 12 de julho deste ano, traz novamente à tona a polêmica permissão para o manuseio de armas de fogo pelos jovens. Decreto publicado em maio de 2019 fez alterações na permissão para a prática de tiro esportivo pelos jovens, fixando em 14 anos a idade mínima para a atividade, além da exigência de autorização dos responsáveis. Antes do decreto, crianças e adolescentes só podiam praticar tiro com autorização judicial.

De acordo com a Polícia Civil, o tiro fatal que atingiu Isabele na cabeça foi disparado de maneira intencional pela amiga, também de 14 anos. Praticante de tiro esportivo com o pai, a amiga participava de aulas e campeonatos, segundo a Federação de Tiro de Mato Grosso (FTMT), o que revela seu conhecimento no manuseio de armas de fogo.

Para o promotor da Infância e Juventude de Cuiabá, Rogerio Bravin, a exigência de autorização judicial visava justamente exercer uma fiscalização maior à concessão do documento, que não era algo fácil de obter. “O decreto nº 9.846, que passou a dispensar a autorização judicial contentando-se apenas com a autorização dos pais, implicou em verdadeira desproteção a um bem jurídico anteriormente tutelado, cuja finalidade era restringir ou afastar o quanto possível os adolescentes de uma atividade de risco que traz um certo perigo”, observa. “Por mais que se afirme que nesses estandes de tiro as regras são rigorosas e com total segurança, e sabemos que a grande maioria o é, por outro lado a frequência de adolescentes acaba facilitando o acesso a armas. Muitas vezes eles acreditam que, fora dali, estão aptos a portar e manusear armas, seja dentro ou fora de casa, com a omissão ou até conivência dos pais”, alerta.

Para o promotor, ainda que o tiro esportivo seja uma atividade regulamentada, não deve ser estendida a adolescentes, pessoas ainda em fase de desenvolvimento. “Por mais que os pais, muitas vezes, pensem o contrário, por vezes esses adolescentes não têm a maturidade e discernimento necessários para um contato próximo a uma arma”, enfatiza. “Existem inúmeras outras atividades desportivas mais seguras e saudáveis a serem frequentadas pelos adolescentes, trazendo-lhes maiores benefícios e menos riscos para eles próprios como para a sociedade em geral”.

Na opinião do promotor, os pais que ignoram estes riscos estão propensos a repetir episódios como a morte de Isabele. “Além dos efeitos deletérios que provocam na família de terceiros e na sua própria, irão responder com os rigores da legislação penal por estas condutas de franquear aos filhos adolescentes o acesso às armas de fogo”.

Rogerio Bravin, acredita, no entanto, que pode haver uma mudança nesse cenário. Também motivado pela morte de Isabele, o procurador-Geral de Justiça de Mato Grosso, José Antônio Borges pediu em julho à Procuradoria-Geral da República (PGR) o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade visando tornar sem efeito a autorização da prática de tiro esportivo por adolescentes que violaria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição Federal além, segundo o promotor, de normativos existentes em Convenções Internacionais de Proteção aos Direitos das Crianças e Adolescentes.

Doutor em ciências jurídicas, o advogado e professor Domingos Calixto enfatiza a necessidade de análises psicológica, sociológica, antropológica e jurídica da permissão para que jovens entrem em contato com armas de fogo já que, segundo ele, o fato envolve uma formação de consciência.

“Considerando-se que a aquisição de arma só se dará aos 25 anos, há uma longa margem de tempo e expectativa para quem já está na prática do tiro convivendo com instrutor, arma e disparos, ainda que com autorização dos responsáveis. Menor de 18 anos não é culpável, é um ser em formação e não é possível ignorar que essa prática vai interferir em sua formação”, ressalta. “Para tantas críticas que se estabelecia aos videogames pela sua violência e capacidade de interferir na moderação psicológica do adolescente, isso também deve ser discutido”, conclui.

O inquérito

O inquérito foi presidido pelos delegados Wagner Bassi, da DEA e Francisco Kunze, da Deddica, e reuniu mais de mil páginas em oito volumes de documentos com depoimentos, imagens, relatórios de análises de aparelhos celulares e laudos periciais.

A adolescente que fez o disparo responderá por ato infracional análogo a homicídio doloso. O adolescente que levou as armas à casa onde ocorreu a morte responderá por ato infracional análogo ao porte ilegal de arma de fogo. Já os três adultos envolvidos na cena do crime (pai e mãe da adolescente que fez o disparo e o pai do adolescente que levou as armas) foram indiciados pelos crimes de omissão de cautela na guarda de arma de fogo, posse de arma de fogo; homicídio culposo, entregar arma a adolescente e fraude processual.

Os autos de apuração dos atos infracionais foram encaminhados à Vara da Infância e Juventude da Capital. O inquérito policial que apurou a conduta dos adultos foi encaminhado à Justiça comum. Em ambos os casos, a Justiça encaminhará ao Ministério Público Estadual para as providências pertinentes.



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