As recentes denúncias de uma série de agressões que teriam sido cometidas pelo advogado Cleverson Campos Contó trouxeram à tona, mais uma vez, a questão da violência contra a mulher. Segundo a assessoria da Polícia Civil de Mato Grosso, são oito boletins de ocorrência registrados contra o advogado entre 2015 e 2018, com sete vítimas diferentes, sendo cinco do sexo feminino e duas do sexo masculino. Entre as denúncias há ameaça, violação de domicílio, assédio sexual e tentativa de estupro e injúria. Medo e vergonha são citados pelas vítimas como impedimentos para que as agressões só fossem denunciadas agora.
“Quando saí da relação fui alertada por uma das vítimas anteriores sobre o processo de desmoralização que viria em seguida. Precisei de um tempo para me reestruturar e me sentir forte para denunciar. Perdi 9 quilos nesse processo todo. A gente perde a identidade, não consegue acreditar que passou por isso. Ninguém quer ter essa mancha na própria história”, disse uma das vítimas. “Eu sabia que depois que o fato viesse à tona eu seria atacada de todos os lados e teria minha vida devassada”, diz uma das vítimas que foi casada com o agressor.
A psicóloga Luciana Kalix explica que, apesar do aumento no número de casos de agressão às mulheres por parte dos companheiros, a vergonha, medo e o receio de julgamentos ainda são obstáculos que impedem as denúncias e a consequente punição ao agressor.
“Muitas fazem psicoterapia às escondidas e se culpam por não terem percebido o que estava acontecendo, por terem acreditado numa mudança do parceiro. A maioria esconde da família e das amigas”, diz.
Luciana diz que o início do relacionamento é lindo, a mulher acredita que encontrou o grande amor da sua vida, um “príncipe”. “A mulher se sente presenteada com tanta gentileza, amorosidade, paixão, cuidado e assim acontece a vinculação e a entrega para essa relação. Depois que ocorre o envolvimento, o homem abusador começa a mudança de comportamento, tenta controlar tudo, deseja moldar a mulher a seu contento, inicia também um alto grau de crítica, desvalidando tudo o que ela faz”, revela.
Ainda assim, segundo a psicóloga, a mulher não se dá conta que está num relacionamento abusivo por conta do sentimento nutrido no início. “Ninguém tem um botão que aperta e deixa de gostar, então ela acredita muitas vezes que está mesmo errada, que é culpada, que ele é muito nervoso e ela precisa ser mais permissiva”.
Ao longo desse processo há a destruição da autoestima, autoconfiança, o surgimento da ansiedade e depressão. Outros vínculos que mantém a mulher em um relacionamento abusivo são a dependência financeira e física.
“A gente custa a acreditar, acha que esse tipo de crime acontece em locais onde as pessoas não têm um nível de conhecimento sobre isso, têm pouca instrução e, na verdade, esse caso vem para mostrar que a violência doméstica está em todos os lugares e não é apenas física, é emocional, psicológica e sexual”, afirma outra vítima que morou com o advogado por seis meses.
“Romper o silêncio é essencial para a preservação da vida das mulheres”, ressalta a psicóloga. “Divulgar os sinais de um relacionamento abusivo pode acender uma luz e fazer com que a vítima perceba que algo parecido está acontecendo com ela. Quanto mais informação, mais protegidas as mulheres estão”, frisa a psicóloga.
Para uma das vítimas, é preciso ter empatia pela mulher que está sendo agredida e denunciar sempre. Luciana Kalix vai além, diz que recomenda às pacientes que busquem o máximo de informação que conseguirem sobre a pessoa com quem estão se relacionando.
“Não podemos julgar uma mulher que se envolveu com um homem que já é reincidente, novamente a culpa recairia sobre ela, porque nada justifica agressão”, afirma.
Repercussão
Entidades de classe como a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT) e o Instituto dos Advogados Mato-grossenses (Iamat) se posicionaram a respeito do caso envolvendo Contó.
A OAB-MT, por meio da Comissão dos Direitos da Mulher, afirma que vai instaurar processo administrativo no âmbito do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) e acompanhará o caso.
“A Comissão também vai acompanhar o inquérito policial dando apoio às vítimas envolvidas no presente caso. Reforça-se ainda que a Comissão tem um canal de denúncias ([email protected]) que oferece toda assistência necessária às vítimas de violência doméstica, em especial a advogada”, completa.
A advogada Cláudia Aquino de Oliveira, presidente da Comissão dos Direitos da Mulher do Iamat, lamentou ainda que as vítimas estejam sendo desacreditadas em suas denúncias. “Tratam-se de notícias graves e que devem ser devidamente apuradas, com a garantia do contraditório e ampla defesa, com procedimentos adequados, investigação legal e punição no rigor da lei, se for o caso”.
Segundo ela, o Instituto acompanha o desdobramento dos fatos. “Devemos nos preocupar em combater a violência contra as mulheres. Discutir as suas causas e buscar soluções. Trabalhar para que haja uma mudança de cultura e eu acredito que essa mudança poderá vir através da educação das nossas crianças. Do ensinamento do respeito que deve haver entre homens e mulheres para que possamos viver em uma sociedade mais harmônica e igualitária”, ressalta.
Outro lado
O advogado Eduardo Mahon apresentou uma representação criminal junto à Delegacia Especializada de Violência Doméstica de Cuiabá em favor do advogado Cleverson Campos Contó. A representação é em desfavor da médica Laryssa Moraes Alves Correa e a influencer Mariana de Mello Vidotto, duas autoras das denúncias contra Cleverson.
Segundo Mahon, Cleverson possui provas que apontam a tentativa de extorsão e denunciação caluniosa por parte das ex-companheiras do advogado.
Para o advogado Eduardo Mahon as acusações movidas contra seu cliente são gravíssimas e demandam esclarecimento. “Inclusive para que ele mantenha sua credibilidade na condição de advogado”.
A defesa reforça que existem provas suficientes por meio de áudios e conversas por aplicativo de mensagem que demonstram possível tentativa de extorsão e uma campanha de difamação contra Cleverson.