No depoimento mais aguardado até aqui da CPI da Covid, o ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) evitou atribuir ao presidente Jair Bolsonaro responsabilidade pelas decisões no enfrentamento à pandemia, inclusive negando tentativa de interferência do chefe do Executivo para ampliar o uso da hidroxicloroquina –questão apontada pelos seus dois antecessores no cargo.
Após adiar sua primeira participação na comissão, ao alegar contato com infectados pelo coronavírus, Pazuello participou da sessão da CPI nesta quarta-feira (19) trajando roupas civis e não militares.
O general prometeu e respondeu todas as perguntas feitas pelo relator, apesar de contar com um habeas corpus do STF (Supremo Tribunal Federal) que permite a ele o direito ao silêncio em perguntas que poderiam incriminá-lo.
O general Pazuello mentiu em ao menos quatro vezes durante o seu depoimento, como ao afirmar que não recebeu ordem direta de Bolsonaro relacionada à compra da vacina chinesa Coronavac. Também teve momentos de rispidez ao responder perguntas do relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL).
Na CPI, o general também afirmou que nunca recebeu ordens específicas do presidente Jair Bolsonaro, nem mesmo a respeito da hidroxicloroquina. "Em hipótese alguma. O presidente nunca me deu ordens diretas para nada", respondeu a Calheiros.
Pazuello também buscou tirar o foco dos filhos do presidente. Em depoimentos anteriores, surgiram indícios de um "ministério paralelo" para aconselhar o presidente, fora da estrutura do Ministério da Saúde.
"Não havia nenhuma influência dos três filhos políticos do presidente e volto a colocar: eu achava que eu ia me encontrar mais com eles, tanto com o próprio presidente, mas não houve isso", afirmou.
Até as 14h, Pazuello havia mentido ao menos quatro vezes na CPI. Ele disse que nunca recebeu ordens do presidente Jair Bolsonaro para não comprar a vacina Coronavac, produzida pelo Butantan e alvo de disputa do governo federal com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). A fala contraria vídeos públicos do próprio presidente que havia mandado cancelar acordo de intenção de compra.
Em outubro, por exemplo, o Ministério da Saúde anunciou que compraria 46 milhões de doses da Coronavac. O presidente falou em vídeo a apoiadores, posteriormente, que não iria comprar e a pasta voltou inicialmente atrás na negociação.
"Vou explicar para o senhor: uma postagem na internet não é uma ordem. Uma ordem é uma ordem direta verbal ou por escrito. Nunca foi dada. Nunca", afirmou à CPI.
O ex-ministro Eduardo Pazuello afirmou que o Brasil só adquiriu junto ao consórcio Covax Facility vacinas para apenas 10% da população porque o "risco era muito grande". "A Covax facility não nos dava nem data, nem cronograma e nem garantia de entrega", afirmou o general, em depoimento à CPI da Covid.
O ex-ministro também afirmou que o preço inicial das vacinas era muito alto, em torno de 40 dólares a dose, que acabou caindo posteriormente para 10 dólares. "Quem responde a órgãos de controle, não pode achar que o preço é irrelevante", afirmou. O Brasil adquiriu 42 milhões de doses junto ao Covax Facility.
Além disso, Pazuello afirmou que não se reuniu com funcionários da Pfizer para negociar vacinas porque "ministro não pode receber as empresas". Porém, ele se encontrou com o empresário Carlos Wizard, principal defensor da vacinação privada.
Ele disse à CPI que era o empresário era um amigo pessoal a quem vem "ouvindo de maneira informal ao longo da vida" e que o ajudou durante um mês no ministério, sem remuneração.
O general também esteve reunido, em maio do ano passado, com empresários em São Paulo para pedir ajuda na compra de equipamentos e de estruturas para a prevenção e o combate do novo coronavírus no Brasil.
Pazuello também afirmou que o TCU, a CGU, a AGU e "todos os órgãos de controle" disseram que a proposta da Pfizer para o fornecimento de 8,5 milhões de doses no primeiro semestre não deveria ser assinada. "Mandamos para os órgãos de controle, a resposta foi: não assessoramos positivamente. Não deve ser assinado", disse.
Porém, em nota o TCU negou a afirmação e disse que "em nenhum momento seus ministros se posicionaram de forma contrária à contratação da empresa Pfizer para o fornecimento de vacinas contra a Covid, e tampouco o tribunal desaconselhou a imediata contratação em razão de eventuais cláusulas contratuais".
O general disse que só foi informado sobre a iminência da falta de oxigênio em Manaus no dia 10 de janeiro deste ano à noite. Porém, ele admitiu no dia 18 de janeiro que soube da possibilidade no dia 8 de janeiro, uma semana antes do dia mais grave de mortes por asfixia em leitos do estado.
"No dia 8 de janeiro, nós tivemos a compreensão, a partir de uma carta da White Martins, de que poderia haver falta de oxigênio se não houvesse ações para que a gente mitigasse este problema", disse Pazuello em uma entrevista coletiva em que respondeu perguntas de apenas quatro jornalistas.
Senador pelo Amazonas, Eduardo Braga (MDB) rebateu o ex-ministro, afirmando que mortes por falta de oxigênio foram registradas até o fim do mês.
"O senhor estava lá e viu com seus olhos, os amazonenses morrendo por falta de oxigênio", afirmou."Antes a gente ficava dependendo da ajuda do Gusttavo Lima, do Paulo Gustavo", completou.
O ex-ministro também contrariou informações divulgadas pelo ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngartenm e pelo gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, em relação à oferta de vacinas.
Pazuello afirmou que a carta com oferta de vacinas da empresa não permaneceu parada por dois meses. Afirmou que a negociação se deu a todo momento e que há documentação no Ministério da Saúde que comprova esses contatos.
O general disse que a pasta que comandava sugeriu alterar a legislação para superar os obstáculos previstos em cláusulas de alguns laboratórios, em especial a Pfizer. No entanto, afirma que outros órgãos do governo recusaram.
"Fizemos a proposta de Medida Provisória, mas ali na parte jurídica do governo não houve consenso. Decidiram que a [iniciativa] não deveria partir de uma MP nossa. Não havia consenso dos ministérios em mantê-lo e isso foi retirado", afirmou, em referência à retirada do dispositivo do texto de Medida Provisória a respeito de vacinas.
Em fevereiro, por iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), um projeto de lei autorizou o governo a assumir as cláusulas previstas e em seguida o primeiro contrato com a Pfizer foi assinado.
Houve momentos de tensão na CPI.
O general Eduardo Pazuello entrou em bate-boca com senadores da CPI da Covid depois de subir o tom ao ser indagado pelo relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre a demora na negociação das vacinas com a Pfizer.
Pazuello se irritou ao dizer que não poderia participar diretamente das reuniões com a empresa e disse que Renan "sabe disso". "Não posso negociar com a empresa. Ministro jamais poderia receber uma empresa, o senhor sabe disso. Recebo socialmente, junto com a administração, mas a negociação é feita pela equipe", disse.
Ao receber críticas dos demais senadores, Pazuello disse que retiraria a frase, mas subiu o tom novamente e disse que Renan estava "conduzindo a coversa". "O senhor precisa compreender a pergunta que fez", afirmou o general, gerando uma nova discussão.
O ex-ministro justificou o atraso no acordo das vacinas dizendo que sempre houve respostas, mas que a negociação "intensa e direta" envolvia questões como a flexibilização de pedidos e auxílio com a logística de entrega.
O general chegou a pedir que perguntas "simplórias" não fossem feitas a ele durante a oitiva, após ser alertado pelo relator de que alguns questionamentos eram mais diretos, portanto desejava que as respostas também fossem dessa forma.
"Perguntas simplórias gostaria até que não fossem feitas", disse Pazuello, afirmando que gostaria de contextualizar suas respostas para esclarecer os fatos.
Nesse momento, acabou repreendido pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).
"Vossa excelência não vai dizer o que temos de perguntar ou não", rebateu o presidente da comissão.
Apesar de contar com um habeas corpus que garante o direito de silenciar em algumas perguntas, para evitar incriminar a si próprio, Pazuello falou que vai responder todos os questionamentos.
"Vou responder todas as perguntas, sem exceção", afirmou.
Em entrevista a jornalistas durante a pausa na sessão, Renan afirmou que ficou claro que Pazuello estava blindando o presidente Jair Bolsonaro.
"Foi tudo que ele tentou fazer, inclusive divagando, faltando com objetividade nas respostas das perguntas que fazíamos", disse.
"Ele, infelizmente, mentiu em várias oportunidades e em outras ocultou aquilo que a pergunta queria", completou o senador. No entanto, ao contrário do que aconteceu durante depoimento do ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, Renan descarta pedir a prisão do depoente. Afirma que vai reunir as mentiras e incluir em seu relatório final da CPI.