Às vésperas do 7 de Setembro, quando estão programados atos no País convocados pelo presidente Jair Bolsonaro e por seus apoiadores, a defesa da democracia, da harmonia entre os Poderes e de reformas que sustentem a recuperação econômica permeou manifestos, comunicados e declarações de representantes do empresariado nacional, de instituições bancárias e das cúpulas do Judiciário e do Congresso Nacional.
Após vir a público a iniciativa da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) - suspensa pelo seu presidente, Paulo Skaf, que adiou a divulgação de um documento que cobra a harmonia entre os Poderes -, empresários mineiros divulgaram anteontem um manifesto destacando que a "ruptura pelas armas, pela confrontação física nas ruas, é sinônimo de anarquia" e "a democracia não pode ser ameaçada, antes, deve ser fortalecida e aperfeiçoada".
Ontem, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) reafirmou, em nota, o apoio ao manifesto "A Praça é dos Três Poderes", encampado pela Fiesp. A entidade, no entanto, procurou se desvincular das decisões da Fiesp e considerou que o manifesto, "aprovado por governança própria, foi amplamente divulgado pela mídia, cumprindo sua finalidade".
Na seara do Judiciário, numa enfática e direta mensagem, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, disse ontem que a Corte está vigilante aos movimentos do Dia da Independência e não vai tolerar atos atentatórios à democracia. Quase ao mesmo tempo, em reunião com o Fórum de Governadores, o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), defendeu um esforço entre todos os agentes políticos para a construção de um ambiente de estabilidade política.
Intitulado "Segundo Manifesto dos Mineiros ao Povo Brasileiro", em alusão ao documento assinado por lideranças estaduais, em 1943, que exigia o fim do Estado Novo e a redemocratização do Brasil (na época, a carta aberta trilhou o caminho para o surgimento de diversas outras, contribuindo para um clima político que levou à deposição de Getúlio Vargas em 1945), o documento assinado por representantes de peso da economia mineira - entre eles Salim Mattar, fundador da Localiza e ex-secretário de Desestatização do governo Bolsonaro; Cledorvino Belini (ex-presidente da Fiat Chrysler Automobiles); Henrique Moraes Salvador Silva e José Henrique Dias Salvador (Rede Mater Dei); Modesto Carvalho de Araújo Neto (Drogaria Araújo) e Evandro Neiva (Grupo Pitágoras) - defende reforma do Estado e diz que "as mudanças estruturais que o Estado brasileiro necessita (e que o povo brasileiro reclama) exigem das lideranças, todas, e daqueles que ocupam cargos e funções nas estruturas produtivas e fornecedoras de serviço e de conhecimento (tanto públicas quanto privadas) uma urgente tomada de posição".
O texto, que não cita Bolsonaro, foi divulgado horas depois de a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) divulgar um outro manifesto com críticas ao Supremo e apoio a temas defendidos pelo presidente. No documento, os industriais mineiros pedem que o STF revise sanções e a possibilidade de desmonetização de sites e portais de notícias acusados em inquéritos contra as fake news, alegando que trata-se de uma luta pela "segurança jurídica e institucional" e contra o "cerceamento à liberdade de expressão".
No "Segundo Manifesto dos Mineiros", o foco é outro. Os empresários e executivos defendem uma reforma do Estado brasileiro, com "a reforma político-eleitoral, a reforma administrativa, a reforma do sistema de educação (só a educação transforma as pessoas), a reforma do sistema de segurança, a reforma orçamental e econômica, a reforma do sistema tributário (são reformas de conteúdo)".
Afirmam que "é preciso pôr fim à vida estamental do aparelho do Estado que, no Brasil, desde sempre, é uma presa capturada por grupos de pessoas que se autoprivilegiam e conduzem a vida das pessoas segundo seus interesses pessoais" e fazem referência ao clima de tensionamento institucional e ameaças que vive o País.
"A ruptura pelas armas, pela confrontação física nas ruas, é sinônimo de anarquia, que é antônimo de tudo quanto possa compreender uma caminhada serena, cidadã e construtiva. A democracia não pode ser ameaçada, antes, deve ser fortalecida e aperfeiçoada. O que se pretende provocar é outro tipo de ruptura: a ruptura através das ideias e da mudança de comportamentos em todas as dimensões da vida", afirma o manifesto.
Signatários deste documento ouvidos pelo Estadão negaram que ele fosse um contraponto ao texto da Fiemg. Na abertura da sessão de julgamento da tese do "marco temporal" das terras indígenas, o presidente do Supremo tratou do tema liberdade de expressão. "Num ambiente democrático, manifestações públicas são pacíficas; por sua vez, a liberdade de expressão não comporta violências e ameaças. O exercício de nossa cidadania pressupõe respeito à integridade das instituições democráticas e de seus membros", afirmou Fux.
No 7 de Setembro estão previstas também manifestações da oposição ao governo Bolsonaro. O ministro afirmou que o Supremo "confia que os cidadãos agirão em suas manifestações com senso de responsabilidade cívica e respeito institucional, independentemente da posição político-ideológica que ostentam".
"Somos testemunhas oculares de que o caminho para a estabilidade da democracia brasileira não foi fácil nem imediato. Por essa razão, é voz corrente nas ruas que, na quadra atual, o povo brasileiro jamais aceitaria retrocessos!’, disse Fux. "Seja nos momentos de tormenta, seja nos momentos de calmaria, o bem do país se garante com o estrito cumprimento da Constituição".
Mais tarde, em resposta, Bolsonaro afirmou que o País "está em paz" e que ninguém precisa "ninguém precisa temer o dia 7 de Setembro". "Pretendo ocupar um carro de som na avenida Paulista (em São Paulo) que deverá ter 2 milhões de pessoas. Pelo que tudo indica, será um recorde. O que essas pessoas estão fazendo lá? O que elas estão pedindo? O que elas estão clamando, a não ser aquilo que o ministro Fux disse hoje em sua sessão: não pode haver democracia se não tiver respeito à Constituição", disse o presidente em solenidade no Palácio do Planalto.
Dez dias depois de pedirem uma reunião com Bolsonaro defendendo a pacificação do País e o fim do clima de instabilidade política - sem que tenham recebido resposta -, governadores se reuniram ontem com Pacheco. Seis chefes dos Executivos estaduais fizeram o mesmo apelo ao presidente do Congresso. "Há um sentimento geral que, a despeito de divergências que existam, nós temos problemas para ontem. Nosso inimigo não está entre nós. Nosso inimigo é o preço do feijão, é o preço da gasolina, da luz elétrica. É o preço dos alimentos de forma geral, que tem sacrificado a população", afirmou Pacheco. "Não há melhor ambiente do que a democracia. Portanto, esta manifestação dos governadores sem fulanizar, sem especificar, sem agredir, mas preservando sempre esse conceito importante da Nação, que é a preservação do estado democrático de direito, é muito bem recebida pelo Congresso Nacional."