BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), levantou nesta sexta-feira (16) o sigilo do relatório da Polícia Federal com análise do conteúdo encontrado no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL).
As mensagens recuperadas no aparelho de Cid mostram diálogos em que interlocutores, oficiais do Exército e reservistas, debatiam o uso das Forças Armadas contra o resultado das eleições vencidas por Lula (PT). Parte do material foi revelado pela revista Veja.
Uma das pessoas que manteve diálogo com o ex-auxiliar de Bolsonaro foi o coronel do Exército Jean Lawand Junior, recentemente designado para representação diplomática do Brasil nos Estados Unidos, em Washington. O Comando do Exército decidiu nesta sexta anular a nomeação do militar.
"Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele [Bolsonaro] dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses cara não cumprir a ordem do, do Comandante Supremo. Como é que eu vou aceitar uma ordem de um General, que não recebeu, que não aceitou a ordem do Comandante. Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer", disse Lawand em um dos áudios, segundo transcrição da PF.
Nesta sexta, a relatora da CPI do 8 de janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), protocolou requerimento para que Lawand preste esclarecimentos ao colegiado sobre conversa mantida com Cid.
No celular do ex-assessor de Bolsonaro há ainda material com a tese do advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie Ives Gandra Martins, segundo a qual o artigo 142 da Constituição permitiria uma intervenção das Forças Armadas em caso de conflito entre os Três Poderes.
O advogado foi procurado pelo major do Exército Fabiano da Silva Carvalho, que fazia o Curso de Comando e Estado-Maior do Exército. Ele fez uma série de perguntas a Ives Gandra sobre as situações em que as Forças Armadas poderiam ser acionados para a garantia dos poderes constitucionais.
No e-mail de resposta, Ives Gandra diz que o chamamento "pode ocorrer em situação de normalidade se no conflito entre poderes, um deles apelar para as Forças Armadas, em não havendo outra solução".
O advogado ainda citou o golpe militar de 1964 para validar a tese. "A implantação dos governos militares em 1964 foi uma imposição popular por força dos desmandos do Governo Jango e do desrespeito constitucional aos princípios que deveria obedecer, inclusive na hierarquia militar com indicação de oficial general de três estrelas para Ministro. Toda a imprensa foi favorável ao movimento, conforme demonstro em minha avaliação escrita para o TRE paulista, que lhe repasso", completa.
Outro documento apócrifo, enviado por Cid de um celular que possuía para outro, numa espécie de backup, detalhava uma possibilidade de realizar um golpe "dentro das quatro linhas" da Constituição -mantra repetido por Bolsonaro nas crises contra o Judiciário.
O texto salvo no celular do militar diz que um juiz "não pode aplicar a lei de forma injusta, ou seja, contra A Constituição, em especial de modo contrário ao Princípio da Moralidade Institucional [...] Do contrário, teremos uma atuação ilegítima".
Na sequência, o autor enumera decisões tomadas por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que ele julga como "ativismo judicial" com "aparente 'legalidade'", mas "contrárias ao Princípio da Moralidade Institucional".
O texto, então, sugere: "Diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem".
No ofício enviado ao STF, a Polícia Federal afirmou que os estudos, tanto o apócrifo quanto o de Ives Gandra, "possivelmente serviram de fundamento para a confecção de uma minuta de decretação de Estado de Sítio e Garantia da Lei e da Ordem - GLO, identificada no aplicativo WhatsApp de MAURO CESAR CID".
O delegado Fabio Shor, responsável pelo caso, afirma que o material encontrado no celular de Cid aponta para a tentativa "materialização no mundo real dos objetivos" antes defendidos nas redes pela associação criminosa investigada no inquérito das milícias digitais.
Nesse inquérito são investigados Cid, Jair Bolsonaro, Anderson Torres e outros bolsonaristas envolvidos em eventos antidemocráticos como a live de 29 de julho de 2021 em que Bolsonaro atacou as urnas eletrônicas, no vazamento do inquérito sigiloso do ataque hacker ao TSE e na organização do 7 de setembro de 2021 e 2022.
"A milícia digital reverberou e amplificou por multicanais a ideia de que as eleições presidenciais foram fraudadas, estimulando aos seus seguidores "resistirem" na frente de quartéis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para uma intervenção federal comandada pelas forças militares", diz a PF.
Os advogados Bernardo Fenelon e Bruno Buonicore, que representam Mauro Cid, afirmaram em nota que "por respeito ao Supremo Tribunal Federal, todas as manifestações defensivas serão feitas apenas nos autos do processo".