O presidente Jair Bolsonaro conversou por cerca de duas horas nesta sexta-feira, 20, com o corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto. O magistrado é integrante do Órgão Especial do tribunal, o mesmo que vai decidir se aceita ou não a denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos). O filho "Zero Um" do presidente é acusado de comandar um esquema de "rachadinha" em seu gabinete da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), quando era deputado estadual.
O desembargador deixou o Palácio do Planalto por voltas das 16h e não respondeu às perguntas da imprensa. Na saída da sede do governo, Garcez chegou a se esconder atrás de uma pilastra para não ser abordado por jornalistas. Em nota divulgada por volta das 18h20, o Tribunal de Justiça informou que "não foram tratados assuntos relacionados a processos judiciais."
Oficialmente, o motivo do encontro foi o convite da Presidência, por meio da Secretaria Especial de Modernização do Estado (SEME) para que a Corregedoria do TJ-RJ participe do Comitê de Modernização de Ambiente e Negócios, que tem o objetivo de melhorar os indicadores do Brasil para atrair investimentos. Na versão oficial, Garcez foi chamado ao Planalto para para participar de discussões sobre "registros de propriedades".
O tribunal acrescentou que no encontro também foi discutida a "importância da Declaração de Nascimento e Declaração de Óbito Eletrônicas (e-DNV/ e-DO) para impedir fraudes". "O Corregedor e o Presidente trataram ainda de assuntos gerais de interesse da Administração Pública, como os desafios enfrentados pela Primeira Instância do Judiciário durante o período da pandemia. Não foram tratados assuntos relacionados a processos judiciais", informou a nota.
O relator do caso das "rachadinhas" é o desembargador Milton Fernandes de Souza, responsável por analisar a denúncia para que o tribunal, formado por 25 magistrados, decida se abre ou não o processo contra Flávio. O mandato de Bernardo Garcez como corregedor termina no fim deste ano.
O filho mais velho do presidente foi denunciado no dia 4 de novembro pelo Ministério Público por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Além dele, também foram denunciados o ex-assessor Fabrício Queiroz e outras 15 pessoas acusadas de participarem do esquema.
Na peça de 290 páginas apresentada ao relator do caso, a Procuradoria aponta que a organização criminosa comandada por Flávio Bolsonaro desviou R$ 6.100.091,52 dos cofres da Assembleia Legislativa do Rio, mediante desvio de pagamentos em favor de doze "funcionários fantasmas".
Dos valores desviados, ainda segundo o MP-RJ, R$ 2.079.149,52 foram "comprovadamente repassados" para a conta bancária de Fabrício Queiroz, o faz-tudo da família Bolsonaro e apontado como operador financeiro do esquema das "rachadinhas’. Já R$ 2.154.413,45 foram disponibilizados à organização criminosa mediante saques elevados de dinheiro em espécie "na boca do caixa".
O senador nega as acusações do MP e diz que a denúncia não se sustenta. Segundo a defesa de Flávio, não há qualquer prova que confirme os crimes imputados ao parlamentar.
Prática comum
Em 25 de agosto, Bolsonaro também recebeu advogados do filho Flávio no Planalto. Sem registro na agenda oficial, o encontro teve a participação do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem. Em nota, o GSI afirmou que o objetivo da reunião foi debater supostas "irregularidades das informações constantes de Relatórios de Investigação Fiscal" produzidas por órgãos federais contra o filho.
À época, o procurador-geral da República Augusto Aras enviou petição ao Supremo Tribunal Federal, afirmando que havia sido instaurada uma notícia de fato para apuração preliminar, ‘em tese, na esfera penal’, sobre a reunião. Segundo o chefe do Ministério Público, se houvesse "indícios razoáveis de possível(is) prática(s) delitiva(s)" pediria abertura de inquérito.
O documento foi elaborado em resposta ao pedido do ministro do STF Ricardo Lewandowski para que a PGR se manifestasse sobre a notícia-crime apresentada pela deputada federal Natália Bonavides (PT-RN). A petista pedia que fosse aberto um inquérito para apurar supostos crimes de advocacia administrativa e tráfico de influência relacionados à reunião.
Bolsonaro já é alvo de um inquérito no Supremo que apura acusação do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro de que ele teria interferido na Polícia Federal para proteger parentes e amigos. "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura", disse o presidente em reunião ministerial de 22 de abril. Bolsonaro nega a acusação apresentada por Moro, que provocou a abertura de inquérito.