O presidente Jair Bolsonaro afirmou neste sábado (11) que eventual decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) contrária ao marco temporal para demarcação de terras indígenas pode representar o "fim do agronegócio" no país.
O caso está sendo julgado pela corte. O ministro Edson Fachin apresentou nesta semana seu voto contrário à tese defendida pelo presidente da República.
Apesar da cobrança sobre esse tema em evento em Esteio (RS), Bolsonaro evitou ataques a ministros do STF, como fez em uma escalada de discursos golpistas até os atos do 7 de Setembro. Na quinta (9), ele publicou nota com mudança de tom, pregando harmonia entre os Poderes.
A fala do presidente foi transmitida pela TV Brasil, mas feita durante almoço fechado na casa da Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul), dentro do Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio (RS), região metropolitana de Porto Alegre, onde Bolsonaro fez uma rápida visita à feira Expointer, neste sábado (11).
A discussão chegou ao STF depois que o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), onde correm processos dos três estados da região Sul, impôs uma derrota à comunidade xokleng, da Terra Indígena Laklãnõ Xokleng, no norte de Santa Catarina, usando a tese do marco temporal. Fachin é o relator do processo.
"Temos um problema pela frente que tem que ser resolvido. O Supremo volta a discutir uma data diferente daquela fixada há pouco tempo, conhecida como marco temporal. Se a proposta do ministro Fachin vingar, teremos que...Ou melhor, será proposto a demarcação de novas áreas indígenas que equivale a uma região Sudeste toda. Ou seja, é o fim do agronegócio, simplesmente isso, nada mais do que isso", afirmou o presidente.
A discussão deve seguir na corte na próxima quarta-feira (15), com a continuação do voto do segundo ministro a se manifestar, Kassio Nunes Marques. O marco temporal define que sejam reconhecidas apenas terras indígenas ocupadas até 1988, ano da Constituição.
No início do mês, a AGU (Advocacia-Geral da União) do governo Bolsonaro defendeu que uma decisão do STF contra o reconhecimento do marco temporal poderá gerar insegurança jurídica, desrespeitando os precedentes da própria corte sobre o tema.
O presidente elogiou ainda o agronegócio, citou o governo de Emílio Médici, militar e um dos presidentes da ditadura, e o que ele chamou de invasão do Centro-Oeste, região destaque hoje no cenário agro do país.
"O trabalho do nosso governo, em primeiro lugar, é não atrapalhar. É um governo que não cria dificuldade para vender facilidade. Deixamos o campo completamente livre, escolhemos uma excepcional pessoa para estar à frente do Ministério da Agricultura", disse, elogiando a titular do ministério da Agricultura, Tereza Cristina.
No discurso, após receber a Medalha Mérito Farroupilha, maior honraria da Assembleia Legislativa gaúcha, o presidente falou sobre os três poderes, mas evitou ataques ao STF, como fez em discursos durante manifestações de apoiadores na última terça-feira.
Bolsonaro disse que não pode fazer as coisas na velocidade que muitos querem, mas que está direcionando aos poucos o futuro do país e pediu que acreditem que ele está fazendo o possível.
"No dia 7 de setembro, eu fui apenas um na multidão. Tive a oportunidade de usar a palavra por duas vezes e senti o calor da nossa população, senti os reais motivos pelos quais esse povo foi às ruas. Em primeiro lugar, foi para realmente dizer que não aceita retrocessos", disse ele, sob aplausos.
"O povo quer respeito à Constituição por parte de todos, e acima de tudo, eles sabem que não podem deixar de lado sempre a defesa e a luta pela nossa liberdade, o bem maior que um país pode ter".
Bolsonaro chegou ao parque da feira pouco antes das 11h, acompanhado de aliados, como o ministro Onyx Lorenzoni, o senador gaúcho Luiz Carlos Heinze (PP-RS), o ex-senador Magno Malta e o filho Carlos Bolsonaro.
Outro aliado, o deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS) publicou uma foto nas redes sociais, dentro do avião presidencial, onde Bolsonaro e Carlos aparecem descontraídos ao fundo. Na feira, o vereador do Rio de Janeiro posou para fotos com apoiadores, mas não falou com a imprensa.
Sem máscara, vestindo um casaco amarelo com a logomarca do Banco do Brasil, o presidente cumprimentou apoiadores, também posou para fotos e ouviu gritos de "mito" onde passava. Ele não respondeu a perguntas de jornalistas sobre a sua conversa com o ministro Alexandre de Moraes.
Malta, aliado de longa data, parou rapidamente para falar com jornalistas sobre a nota assinada por Bolsonaro na quinta-feira, em que o presidente parecia recuar dos ataques feitos nas manifestações do feriado.
"Corajoso. Deu um salto sem paraquedas num penhasco, sem se importar com popularidade, para não fazer o Brasil que eles queriam que fizesse, para mostrar o Brasil destruído para o mundo. Ele pulou do penhasco. Ele é brasileiro, patriota brasileiro, Jair Bolsonaro", afirmou.
Questionado sobre as críticas sofridas por Bolsonaro, por parte de apoiadores, depois da publicação, Malta elogiou o governo de Michel Temer (MDB). O ex-presidente foi chamado para ajudar a construir o texto.
"Deus se utiliza do ímpio para abençoar o justo. Quando Deus quer abençoar, ele usa qualquer pessoa. E o Temer, se não fosse a vida pessoal dele, os problemas pessoais, os dois anos dele teriam sido os melhores da História do Brasil".
Bolsonaro já havia passado pela Expointer em meio a campanha eleitoral de 2018, como outros presidenciáveis, mas esse foi seu primeiro retorno. No ano passado, devido à pandemia do novo coronavírus, a feira foi realizada de modo virtual.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), não participou da agenda deste sábado. Além de disputar as prévias tucanas para ser o candidato do partido ao Planalto no ano que vem, Leite, que apoiou Bolsonaro em 2018, hoje é crítico ao atual presidente.
"Foi um erro colocar Bolsonaro no poder. Está cada vez mais claro que é um erro mantê-lo lá", escreveu ele em seu Twitter na última terça.
O governador esteve na Expointer, ao lado da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, um dia antes da visita de Bolsonaro. O presidente foi recebido pelo vice-governador e secretário de segurança pública do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Júnior.