Assinada em 13 de julho de 1990, a lei nº 8.069/1990 estabeleceu os direitos e deveres de pessoas com menos de 18 anos, para as quais foram fixadas medidas especiais de proteção e assistência a serem executadas, conjuntamente, pela família, comunidade e poder público. Passadas três décadas, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ainda está longe de ser uma unanimidade.
“O ECA foi inspirado em normativas internacionais, em tratados e convenções, especialmente da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos das criança, com regras mínimas para administração da justiça da infância e juventude, para proteção dos jovens privados de liberdade e com diretrizes para a prevenção da delinquência juvenil”, explica o procurador Paulo Prado, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude do Ministério Público.
Segundo ele, não há como pensar em um país com jovens aptos a serem, no futuro, profissionais e cidadãos de bem se não forem tratados com proteção integral. “Isso significa priorizar a família, a comunidade e garantir os direitos fundamentais de crianças e adolescentes que são a efetivação do direito à vida, saúde, alimentação, educação esporte, lazer, a profissionalização, a cultura, dignidade e respeito, além da liberdade e convivência familiar e comunitária”.
Na opinião do juiz Túlio Duailibi, coordenador da Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), um dos pontos positivos do ECA é o estabelecimento de garantias e o impulsionamento de legislações posteriores que visam resguardar os interesses das crianças e adolescentes como o Marco Legal da Primeira Infância, voltado a crianças até 6 anos de idade.
“Se o ECA, ao longo desse tempo, não avançou 100% com gostaríamos é por falta da implementação de políticas públicas que precisam melhorar para termos mais progressos nesse sentido”, observa.
Apesar dos avanços obtidos pelo ECA, milhões de crianças e adolescentes brasileiros ainda vivem em situação de risco e vulnerabilidade, sendo cerca de 69 milhões de crianças e adolescentes (de 0 a 19 anos) nessa situação em 2019.
Segundo dados da Fundação Abrinq, no estudo Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2020, em 2018, 46% das crianças e adolescentes de 0 a 14 anos viviam em condição domiciliar de baixa renda, 4,1% das crianças de 0 a 5 anos viviam em situação de desnutrição e mais de 1,3 milhão de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos estavam fora da escola.
O estudo ainda destaca que 9,8 mil mortes por homicídios em 2018 foram cometidos contra crianças e adolescentes entre zero e 19 anos de idade. Entre estes, quatro em cada cinco vítimas eram negras. Já em relação aos homicídios cometidos em intervenções legais, ou seja, mortes em decorrência da atuação policial, 27,2% foram de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos.
“Ainda há muitos desafios a serem superados para a plena concretização dos direitos assegurados à criança. Ainda vivenciamos um quadro em que crianças e adolescentes vivem em situações de pobreza e desnutrição, fora das escola e sem acesso à saúde”, observou Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em fala de abertura da Conferência Digital dos 30 anos do ECA, que aconteceu entre os dias 13 e 14 de julho.
“Há ainda a questão da violência. Dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que, somente em 2019, passaram no poder judiciário mais de 78 mil novos processos relativos a crimes de violência cometidos contra crianças e adolescentes, um quadro triste que piorou com a pandemia”, acrescentou.
A pandemia do novo coronavírus, aliás, é mais uma agravante para essas crianças e adolescentes mais vulneráveis. Com o isolamento social imposto como medida necessária para prevenção ao contágio da Covid-19, muitas famílias brasileiras estão confinadas em casa e, em muitos casos, enfrentando as privações decorrentes do desemprego, da redução da renda familiar, da falta de segurança e das condições precárias de moradia, além do adoecimento mental e físico. Essa situação já tem provocado o aumento de violações de direitos que também atingem crianças e adolescentes, tais como maus-tratos, abuso e exploração sexual, inclusive a que ocorre por meio de aliciamento digital para fins de disseminação de material sexual.
Para Dias Toffoli, são necessárias e urgentes ações dos órgãos públicos e o engajamento da sociedade civil na promoção e proteção dos direitos das crianças e adolescentes no país.
O maior desafio para cumprir com a integralidade do ECA, na opinião da defensora pública do Distrito Federal, Maria José Silva Souza de Nápolis, está na efetivação das políticas públicas já idealizadas para este fim.
“O maior obstáculo é a educação, manter as crianças na escola. Temos que zelar para que não se tornem vítimas de crimes e, consequentemente, das precárias estruturas das unidades de internação. A palavra-chave é a educação que levará a um sociedade livre, justa e solidária como prevê a Constituição”, afirmou. “Se nada for feito, o número de jovens cumprindo medidas socioeducativas deve aumentar e será igual ou superior ao dos adultos detidos em presídios”, ressaltou.
Na opinião da juíza Lavínia Tupy Vieira Fonseca, titular da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas do Distrito Federal, a ressocialização pede esforço e comprometimento para que dê certo.
“É preciso investimento e devido cuidado e atenção que se fazem ao jovem junto à família, fortalecendo os vínculos familiares, além da oferta de educação, escola. Tudo isso faz parte de um conjunto de ações que fazem com que o adolescente possa voltar a viver em sociedade com outras perspectivas”, acrescenta.
Na visão do procurador Paulo Prado, priorizar a assistência integral à criança e adolescente é ter, no futuro, pessoas melhores e mais felizes e que respeitem o próximo, que consigam enxergar a igualdade de direitos. “Teremos a diminuição da violência infanto-juvenil, de crimes praticados pelos adolescentes, os chamados atos infracionais”, alertou.
Socioeducativo
Para abrigar adolescentes em conflito com a lei será construído em Rondonópolis um novo Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) com capacidade para 60 vagas. A previsão é que a unidade fique pronta em 8 meses. A ordem de serviço foi assinada pelo governador Mauro Mendes na segunda-feira (13), dando fim a um imbróglio que já dura 14 anos.
Além de Rondonópolis, há a previsão de construção de outros seis centros socioeducativos em outros municípios como Tangará da Serra, Várzea Grande, Sinop, Barra do Garças, Cáceres e Cuiabá (em substituição ao de Várzea Grande).
As novas unidades vão garantir mais 289 vagas aos menores até 2022, sendo que atualmente o Estado conta com 143. Desta forma, até o final da atual gestão haverá 443 vagas, um aumento de 280%.
“Hoje existe necessidade de termos centro socioeducativo porque, infelizmente, temos jovens violentos que praticam roubo com arma, homicídios etc. e essas pessoas não podem continuar soltas, precisam de local adequado para cumprirem medidas socioeducativos”, observa Paulo Prado. “Os centros são uma forma de punição, mas também a oportunidade destes jovens receberem orientação para se recuperarem e se socializarem, voltando a ser cidadãos melhores para o convívio social”, enfatiza Paulo Prado.
Na opinião de Duailibi, o socioeducativo é uma medida importante ao ser um instrumento de segurança pública que não tem o formato de um sistema prisional, mas cumpre com a função de ressocializar. “Tem que conciliar a responsabilização do ato infracional e o resgate de valores”, conclui.