CULTURA Sábado, 11 de Julho de 2020, 10:38 - A | A

Sábado, 11 de Julho de 2020, 10h:38 - A | A

ARTE ESPERANÇA

"A pandemia mostra que as pessoas não vivem sem cultura", diz D'Lucca

O que seria do ator sem o palco e sem o público? Desde que as medidas de isolamento social foram impostas em Mato Grosso por conta da pandemia de Covid-19 os espaços culturais foram fechados, os eventos cancelados e todos os envolvidos nessa gigantesca indústria cultural se viram sem público, sem palco e, consequentemente, sem fonte de renda.

“Antes da pandemia eu estava a todo vapor, nunca me senti tão bem e tão produtivo, com trabalhos agendados em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, gravando comerciais, tinha acabado de lotar um teatro com a peça e comemoração aos 20 anos de Almerinda, a escola estava indo bem e tinha ainda o projeto de um filme”, conta o ator André D’Lucca.

Apesar da suspensão repentina de todas as atividades o ator revela que não se sentiu tão impactado pelo isolamento social. “Ano passado fiquei três meses de cama, doente, sinto que fui preparado para esse momento, então não estou sofrendo tanto”.

Reinventar tem sido a palavra para muitos artistas nesse período e, como tantos outros, D’Lucca enxergou no universo virtual a oportunidade de manter-se ativo e reencontrar-se com o público. “Fiz lives solidárias, tenho feito vídeos para plataformas digitais e sigo com o projeto de longa-metragem baseado em uma peça de teatro que será todo filmado em estúdio”, diz.

Compreender essa nova realidade de ficar em casa, se reconectar com a família, aprender os cuidados necessários nesse momento de pandemia também fizeram parte do processo do ator Jeferson Jarcem, do Grupo Tibanaré de Teatro. “Não quis entrar numa aceleração, obrigatoriedade de desenvolver materiais virtuais e sim entender o todo. Mantive me exercitando, alimentando a criatividade e deixando fluir algumas coisas. Hoje desenvolvo alguns materiais virtuais, expressando algumas coisas que estou sentindo no isolamento. Criei uma série chamada ‘Confabulações de um corpo em isolamento’ e, aos poucos, estou estudando outros trabalhos que estavam de escanteio”, explica.

Assim como André D’Lucca, havia uma agenda cheia para o Tibanaré este ano com turnês pelo interior de Mato Grosso, circulação com espetáculos e oficinas pela Ásia, temporadas em Cuiabá, sequência do curso de formação Núcleo de Teatro, projetos de intercâmbio e montagem de novas produções, além das viagens nacionais por festivais e mostras.

Divulgação

 Taichibanana - Bruna Obadowski e Ahmad Jarrah

 

“A maioria dos nossos trabalhos foi suspensa e algumas negociações que ainda estavam em processo foram canceladas”, explica Jarcem. “A maioria dos projetos do Tibanaré acontece na rua, mas temos espetáculos para espaços alternativos e convencionais. Todo o nosso trabalho vem passando por uma turbulência e o momento é entender tudo isso para chegarmos a novos formatos e adaptações”.

Acostumados às turnês internacionais os dançarinos do Flor Ribeirinha cancelaram as apresentações na Áustria, Eslovênia e Holanda, agendadas para junho, além do início das atividades do Quintal da Domingas e os projetos com crianças e idosos desenvolvidos pelo ponto de cultura. “Para nós abril, maio, junho, julho e agosto eram os meses em que teríamos mais apresentações, começando com o aniversário de Cuiabá e de Mato Grosso, as festas juninas e encerrando com o mês do folclore. As apresentações são o que mantém grande parte de nossas ações”, explica Avinner Augusto, diretor artístico e coreógrafo.

Para ajudar nesse período em que as atividades estão suspensas por conta do isolamento social o grupo vende máscaras personalizadas pelo artista plástico Adriano Figueiredo.

Depois que tudo isso passar

Avinner acredita que a troca de experiência com outros artistas e pesquisadores da cultura popular proporcionada pelas lives será um dos frutos desse momento de isolamento. “Já recebi convite de vários estudiosos e pesquisadores da cultura popular brasileira para dialogar sobre manifestações culturais como o siriri. Esse intercâmbio de informações está sendo muito bacana”.

Mayke Toscano/Secom-MT

Flor Ribeirinha

 

Na opinião de Jarcem o formato virtual deverá ganhar ainda mais espaço pós-pandemia com espetáculos e eventos (mostras e festivais) sendo produzidos especialmente para a tela do celular. “Há uma grande discussão se é ou não teatro. Eu vejo como novas experiências para o público, que são ações diferentes e acredito que a tendência, caso o isolamento social se estenda muito, é aumentar a criação teatral para as plataformas digitais com mais artistas, propondo inovações e alternativas como formas de sobrevivência neste momento”, exemplifica.

Independente de qualquer cenário, segundo ele será preciso uma capacidade de adaptação às possíveis mudanças, criatividade para pensar em inovações e em formas de se conectar com o público. ”Isso é uma característica bem latente nos artistas”.

André D’Lucca também acredita na permanência dos eventos online quando se sabe que há muita gente que prefere ter acesso aos produtos culturais sem ter que sair de casa. “O novo normal, como dizem, será mais tecnológico”.

Apesar de tantas transformações, a cultura permanecerá tendo seu espaço e seu valor, ainda que muitos governos não reconheçam isso. “Nós artistas somos fundamentais na construção desse novo mundo. A pandemia vem mostrando que as pessoas não vivem sem cultura” diz D’Lucca. “Tire os filmes, séries, novelas, lives, músicas, tira a arte e literatura e não sobra nada, só sobra desespero, desgraça, medo, falta de esperança. Sem os artistas e sem a arte o mundo é bem mais difícil”, conclui.

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