Com as eleições de novembro se aproximando, o cenário eleitoral já se movimenta com uma infindável lista de promessas dos possíveis candidatos. Poucas, porém, estão voltadas às crianças, especialmente as da primeira infância, que vai do nascimento aos 6 anos. Foi pensando nisso que a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal disponibilizou o estudo Primeira Infância Primeiro. Direcionado aos futuros prefeitos o levantamento traz, em números, um panorama da primeira infância no país e mostra que, apesar de alguns avanços, ainda há muito a ser feito.
Em Cuiabá, por exemplo, duas em cada três mortes de bebês de até um ano de idade poderiam ser evitadas com cuidados simples como campanhas de imunização, exames pré-natal ou atenção às mães na hora do parto. Uma das estratégias, de acordo com o documento, é o aumento da cobertura das equipes do Programa de Saúde da Família que, de acordo com o estudo, atendem 44% da população. A assessoria da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá, no entanto, contesta esse índice e informa que a cobertura do programa na Capital chega a 71%.
“A saúde da criança em Cuiabá se pauta na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde. As unidades de saúde contam com uma equipe que faz o acompanhamento da criança, desde a fase puerperal até a infância. Há ainda orientações sobre aleitamento materno e alimentação, entre outros, bem como acompanhamento aos casos mais sérios como doenças cardíaca e pulmonar congênita”, informa Susi Costa, responsável pelo programa Saúde da Criança da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá (SMS).
Quando se fala em renda, o levantamento aponta 12 mil crianças de menos de 6 anos pertencentes a famílias pobres ou extremamente pobres na Capital não beneficiadas pelo Bolsa Família de acordo com as inscrições do Cadastro Único para Programas Sociais.
Já a violência contra crianças de até 4 anos vinha caindo, mas voltou a subir em 2017 e chegou a 46 notificações, número que pode ser ainda maior já que ele se refere apenas à violência que gerou atendimento médico ou hospitalar e não àquela violência que acontece dentro de casa, por pais ou cuidadores, e geralmente ninguém vê.
Na educação há números preocupantes como 35% de crianças de 0 a 3 anos atendidas em creches enquanto a demanda chega a 38,6% de acordo com o Índice de Necessidade de Creches (INC). O Plano Nacional de Educação (PNE) tem como meta chegar a 50% de atendimento até 2024. Na pré-escola (4 a 5 anos) a taxa de escolarização chega a 92%.
Em Várzea Grande, dos 80 óbitos de crianças até um ano em 2018, 57 deles foram por causas evitáveis como imunização, atenção à mulher na gestação e parto, atenção ao recém-nascido com ações de diagnóstico e tratamento, entre outras.
A cobertura da saúde da família na população total do município vizinho é de 25%, conforme aponta o estudo. A assessoria de imprensa da prefeitura do município informou que a saúde da família chega a 25% de forma específica, mas toda a rede de atenção primária atinge 50% com atendimento em outras unidades.
Já a taxa de atendimento em creches para crianças de 0 a 3 anos é de 14%, enquanto o atendimento na pré-escola chega a 80%. De acordo com a assessoria, 11 novas unidades dos chamados Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis) estão sendo construídas, o que irá ampliar a rede de atendimento para 50%. A assessoria informou ainda que hoje esse percentual é de 20% com a inauguração de 4 Cmeis.
“Com relação à educação infantil estamos próximos de atingir a universalização do atendimento, pois já superamos os 90% com a quase totalidade das unidades escolares reformadas, recuperadas e em alguns casos reconstruídas”, diz a nota.
Fase especial
É na primeira infância – período que vai do nascimento aos 6 anos – que as experiências vividas são registradas e levadas para a idade adulta.
“Desenvolver as crianças é uma das formas mais eficientes para se desenvolver a sociedade. Investir na primeira infância é uma das melhores estratégias para se quebrar o círculo intergeracional da pobreza, impedindo que ela se torne hereditária”, afirma Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Quando se olha para esse universo, a realidade das crianças brasileiras não é das melhores. De quase 21 milhões de crianças entre 0 e 6 anos, um terço vive na pobreza ou na extrema pobreza.
Entre as crianças de 4 a 5 anos, cerca de 300 mil estão fora da escola, apesar da obrigatoriedade. Na faixa de 2 a 3 anos, mais de um terço está fora da creche, especialmente por falta de vagas ou a inexistência de uma unidade na região.
“Nesta fase da vida de um ser humano o cérebro maleável é uma janela de oportunidades enorme. É a fase em que aprendemos mais rápido, mas é também uma janela de risco. Por isso são essenciais a estimulação e a garantia de um contexto mais seguro para a criança”, observa Daniel Domingues dos Santos, professor associado de Economia da Universidade de São Paulo (USP). “É muito importante oferecer serviços de qualidade nessa fase para que a experiência leve a estimulação e segurança, ingredientes fundamentais para que isso se concretize de maneira positiva e leve a uma infância mais feliz e com estruturas mais promissoras”.
Para Anna Chiesa, professora associada do departamento de Enfermagem em Saúde da USP, a equidade deve ser o objetivo comum dos gestores que buscarem implementar diretrizes para este público.
“Equidade é mais que igualdade, é identificar necessidades específicas para as vulnerabilidades e fazer com que as ações alcancem essas necessidades”, diz. “Defesa da primeira infância é igualar as oportunidades no começo da vida. Não se pode depender da sorte de cair numa família estruturada e com recursos para seguir a vida e desenvolver todo o potencial”, salienta.
Recomendações
O estudo da Fundação está direcionado aos futuros prefeitos que assumirão a gestão dos municípios brasileiros em 2021. A pandemia de Covid-19 e todas as suas consequências potencializaram as demandas e devem tornar o trabalho ainda mais difícil. Entre as principais recomendações estão:
Ampliar a oferta de creches para crianças de 0 a 3 anos;
Priorizar a criança de até 6 anos no orçamento municipal;
Garantir pré-escola a todas as crianças de 4 a 5 anos;
Garantir a qualidade da oferta da educação infantil;
Fortalecer o programa de Saúde da Família;
Implementar ou ampliar programas que atendam famílias em situação de vulnerabilidade;
Integrar políticas de educação, saúde e assistência social voltadas às crianças de até 6 anos;
Elaborar e implementar o Plano Municipal pela Primeira Infância.