De sapatos e roupas a smartphones e passagens aéreas, passando por brinquedos, ração para pets e até carne bovina. Tudo virou alvo de promoção na "Semana do Consumidor", como o varejo começou a chamar o período que envolve o dia 15 de março.
A data, criada em 1985 pela ONU (Organização das Nações Unidas), a fim de aumentar a conscientização sobre os direitos do consumidor junto à sociedade, empresas e governos, vem tomando uma conotação puramente comercial, a ponto de ser chamada de "Black Friday do 1º semestre".
"Na ausência de uma data de forte apelo econômico entre a volta às aulas e o Dia das Mães, uma vez que a Páscoa resume a venda a poucos itens, o varejo resolveu impulsionar o Dia do Consumidor", diz Edu Neves, presidente do Reclame Aqui, um dos principais sites de reputação de empresas do país.
Segundo Neves, o Dia do Consumidor de 2022 foi a terceira data em que o Reclame Aqui registrou maior volume de queixas no ano, só depois do Natal e da Black Friday.
De acordo com enquete feita pela fintech de cashback e pagamentos Méliuz, junto a 600 consumidores da sua base, 90% deles pretendem fazer compras neste Dia do Consumidor. Destes, 63% devem comprar na data pela primeira vez.
"No ano passado, conseguimos atrair 97 lojas parceiras na Semana do Consumidor", diz o diretor de marketing da Méliuz, Gabriel Loures. "Este ano, já são mais de 130 lojas". Segundo ele, a data se tornou importante porque realmente "cobre um buraco" no calendário dos varejistas.
"Mas eu vejo os consumidores conscientes", afirma. "Nosso levantamento apontou, por exemplo, que 40% estão em busca do melhor preço para um item de desejo, que já planejavam comprar". Já 27% buscam promoção para itens de necessidades básicas. O cashback (a garantia de desconto na próxima compra) é a vantagem mais procurada, diz Loures.
A origem da data está vinculada a um discurso feito em 1962 pelo então presidente americano John F. Kennedy. "Consumidores, por definição, somos todos nós", disse Kennedy, que elencou quatro premissas do direito do consumidor: à segurança (da qualidade dos produtos e serviços), à informação (contra propaganda e rotulagem falsas ou enganosas), à escolha (contar com variedade a preços competitivos) e à manifestação (o consumidor deve ser ouvido).
"Quando o comércio vem usar o 15 de Março para incentivar a venda de produtos, nada disso está sendo levado em conta", diz Carolina Vesentini, advogada do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor). "É algo totalmente contraditório dizer que, em homenagem ao consumidor, vamos fazê-lo gastar", afirma.
Segundo ela, o Idec faz questão de adotar uma postura ativista para que cada vez mais pessoas entendam o impacto do consumo nas próprias vidas e na sociedade, além de terem consciência dos direitos envolvidos em uma compra.
Garantia legal de 3 meses ser soma à garantia de 12 meses do fabricante
Entre esses direitos, destaca Carolina, está o da garantia. São três tipos de garantias oferecidas em produtos e serviços no Brasil: legal, contratual e estendida.
A legal, que consta do CDC (Código de Defesa do Consumidor), diz que o consumidor tem 30 dias para reclamar de problemas com produtos não duráveis (alimentos, bebidas, cosméticos etc.) e 90 dias para se queixar de bens duráveis (eletroeletrônicos, eletrodomésticos, automóveis etc.). Em serviços como assistência técnica, por exemplo, sempre haverá garantia de 90 dias.
A contratual é oferecida por livre iniciativa do fabricante. Em duráveis, costuma ser de um ano. Mas o que pouca gente sabe é que essa garantia é complementar à legal, ou seja, se o fabricante oferece um ano de garantia, a partir da emissão da nota fiscal, deve oferecer mais três meses da garantia legal.
"Isso é pouco conhecido, as pessoas entendem, em geral, que o consumidor tem 90 dias ou um ano", diz Carolina. "Mas na verdade ele tem os dois, se o fabricante, por livre iniciativa, ofereceu um ano de proteção". A garantia legal nunca poderá ser excluída, mesmo a pretexto de o fornecedor oferecer outro tipo de garantia, afirma.
O terceiro tipo de garantia é a estendida, oferecida pelo fornecedor (varejista ou fabricante) e contratada diretamente com o consumidor. É paga e regulamentada pela SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) e complementa a garantia contratual.