A circulação de informações falsas na internet é tema de discussões no Congresso Nacional que atualmente se debruça sobre o Projeto de Lei 2630/2, texto que irá originar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O documento cria medidas para combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas como WhatsApp e Telegram, excluindo-se serviços de uso corporativo e e-mail.
A proposta gera muita polêmica, mas sua discussão se faz necessária e urgente na opinião do advogado Eduardo Manzeppi. Especialista na Lei Geral de Proteção de Dados (que também está na pauta do Congresso), ele afirma que notícias mentirosas e caluniosas causam danos a todos, não apenas a quem elas são direcionadas, mas à sociedade em geral que hoje tem na internet uma das principais fontes de informação.
"Essa lei é importante e deve existir, mas não como está. Na minha opinião ela foi aprovada pelo Senado de forma muito rápida", diz. "Para que nós não tenhamos algo que possa ferir direitos garantidos ou princípios constitucionais, precisamos escutar a sociedade".
Leia mais: Dengue aumenta significativamente em MT e mata 15 pessoas
As fake news, como são chamadas, ganharam visibilidade após as eleições americanas em 2016 e, no Brasil, tiveram ainda mais destaque durante as eleições de 2018. A existência de uma lei é consenso entre especialistas, mas a polêmica recai sobre uma possível limitação da liberdade de expressão.
"Vejo com uma lei necessária, importante, não vejo como censura à liberdade de expressão, mas ela precisa ser trabalhada e passar por alterações importantes para que não seja uma regulamentação que enrijeça a internet, hoje um meio de desenvolvimento econômico, educacional e de inovação", salienta o advogado.
Na opinião do pesquisador e coordenador do programa de pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Bruno Araújo, as fake news não são mais uma questão localizada ou meramente tecnológica, se transformaram em um problema político que envolve e influencia todo um processo democrático, tanto do Brasil quanto em outros países.
O Marco Civil da Internet, de 2014, regula o uso da internet estabelecendo princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede e já representa um avanço neste vasto universo que é o virtual. A lei das fake news versa especificamente sobre o conteúdo.
"Temos algumas legislações que podem responsabilizar, tanto civil quanto criminalmente, algumas condutas na internet relacionadas às fake news, mas ainda não é algo específico".
Leia mais: Ensino precisará ser reinventado no pós pandemia, avalia pesquisador
Na opinião de Bruno Araújo as fake news fazem parte de um conceito mais amplo que é a desinformação, implícita não apenas nas notícias, mas em outros formatos como imagens e vídeos, por exemplo.
"Esse fenômeno não é de agora, mas o que muda é justamente a força com que esses conteúdos interferem em nossa vida em sociedade", observa o professor.
Ele cita algumas razões para essa interferência, como a tecnológica. O ambiente dos aplicativos de mensagem permitem a disseminação de informações sem que haja uma verificação da sua veracidade.
Há ainda a crise de credibilidade pela qual passa a imprensa com as constantes contestações feitas por alguns líderes políticos como os presidentes americano Donald Trump e brasileiro, Jair Bolsonaro.
O professor ressalta também o descrédito das próprias instituições políticas como o Congresso Nacional, o que leva a uma desilusão generalizada com outras instituições democráticas.
Leia mais: Tráfico de pessoas é a terceira prática ilícita mais rentável do mundo
"Estamos vivendo um momento que alguns autores chamam de pós-verdade, em que a sociedade tem se gerido muito mais por uma lógica dos afetos e menos pela busca da verdade em si", diz. "Eu já não sei o que é verdade e o que é mentira, perco meus referenciais e isso contribui para uma degradação ainda maior desse cenário".
O combate à desinformação em geral e às fake news em específico pede o envolvimento de toda a população em uma verdadeira mudança no pensar, sentir e agir, para o professor, e a imprensa tem um papel fundamental de esclarecimento público.
Araújo frisa, no entanto, que a própria imprensa precisa fazer uma reflexão crítica sobre a contribuição, direta ou indireta, que levou a essa aceleração do processo de descrença das instituições políticas e até da democracia.