Uma pesquisa realizada pelo Governo de Mato Grosso mostrou que das 700 escolas existentes no estado, 586 apresentam casos de violência dos maios variados tipos. O fato mais recente e emblemático neste contexto ocorreu em setembro deste ano, quando uma aluna esfaqueou a outra na Escola Estadual Cesário Neto, em Cuiabá.
Preocupados com o cenário, Tribunal de Justiça, Governo de Mato Grosso e Ministério Público Estadual se uniram para capacitar professores a se tornarem agentes de paz, promovendo círculos de construção de paz no ambiente escolar. A ação já capacitou 26 turmas e mais de 30 escolas que já estão habilitadas para utilizar a metodologia.
“Os facilitadores que nós estamos treinando são pessoas geralmente que se voluntariam ou que são escolhidas pelo seu perfil para fazer então o curso, fazer o estágio supervisionado e se tornar um facilitador de círculos de construção de paz”, explicou a presidente do Núcleo Gestor da Justiça Restaurativa do TJMT, desembargadora Clarice Claudino da Silva.
Conforme a desembargadora, os círculos de paz foram organizados levando em consideração um hábito ancestral, realizado pelos aborígenes, que se reuniam em torno da fogueira para discutir assuntos que eram de interesse coletivo, como problemas, celebrações.
O círculo de paz conta com um objeto de fala. Ou seja, quando a pessoa integrante do círculo está em posse desse objeto, aquele tempo é 100% dela. “Todos vão escutar plenamente, ativamente e com o coração. Então no círculo nós falamos na primeira pessoa do singular. É sempre de mim mesmo e dos meus sentimentos, das minhas necessidades. Por isso a gente usa também como um dos símbolos a girafa. Ela é quem tem maior coração do Reino animal e para bombear sangue neste grande coração ela tem também um pescoço bastante alongado que são os 2 símbolos: o grande coração é o amor, o sentimento bom que o facilitador de círculo acaba injetando em todos ali durante aquele período, estimulando o lado bom de todos, mas também as falas sinceras colocando sentimentos e olhando para o futuro. A girafa nos inspira a ter um olhar mais amplo, prospectivo para o futuro, sem apego demasiado ao passado, fazendo com que o passado só tenha proveito como experiência e não como paralização diante daquela problemática que nos é apresentada”, pontuou.
A presença da Justiça Restaurativa nas escolas já é realidade em outros estados como Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina e em algumas cidades do Paraná. Clarice Claudino explica que o próximo passo é introduzir na grade escolar o círculo de paz para que os professores não tenham prejuízo na aprendizagem dos alunos ao abrirem espaço para a prática.
“É uma coisa tão simples, tão simples, mas tem um efeito que eu digo que o círculo é mágico porque a gente começa ali pensando que vai ser só mais uma conversinha e é impressionante o resultado quando a gente termina ninguém está mais do mesmo jeito que começou”, declarou.
Algumas regras são combinadas para que o círculo possa funcionar. É preciso que os envolvidos se sintam seguros para externas problemas e sentimentos que vivenciam.
“Primeiro sigilo é o que mais se usa, a confidencialidade ou não o julgamento. O não julgamento é fantástico como que ele deixa fluir com naturalidade quando a pessoa sabe que não vai ser criticada que ninguém vai sair dali falando mal ou falando bem do que viu e do que ouviu é simplesmente um ambiente de ameaça zero. Então a pessoa vai se soltando e quando a gente faz 2,3 rodadas, na terceira todo mundo já está bastante à vontade e a gente fala da construção de valores que é algo muito esquecido na nossa sociedade, na nossa educação diária. Os valores estão sendo muito esquecidos e a gente resgata o que que é de mais importante para cada um e aí dentro da temática o facilitador vai provocar o diálogo por meio de perguntas”, explicou.
A desembargadora esclarece que o círculo tem a capacidade de identificar problemas e encaminhar aquele que sofre para um acompanhamento psicológico para que aquela dor possa ser tratada e não se transforme em violência. O espaço de fala também auxilia na redução da dor. Quanto mais se fala sobre aquilo, menos peso se carrega.
Claudino ainda ressalta que essa ferramenta pode ser utilizada não somente nas escolas, mas também em empresas, no ambiente familiar, de trabalho e onde mais seja necessário.
“Falar alivia, é o grande remédio para as questões emocionais, não tenha dúvida. Todas as metodologias que usam o diálogo bem conduzido para as pessoas falarem do seu emocional dá muito certo e no círculo não é diferente. Ele é utilizado não só para prevenir, mas também para tratar e evitar a reincidência. A gente julga pelas aparências e quando a gente escuta a verdadeira história da pessoa ela sofre uma transformação imediata no nosso íntimo, no nosso modo de ver, o nosso modo de sentir e a gente supera muitas barreiras e a mesma coisa acontece com a gente. Nós também nos sentimos muito mais seguros, mais felizes, mais integrados quando somos aceitos e na escola o propósito maior é esse”.
Para reverter o cenário e conseguir disseminar a cultura de paz nas escolas, Claudino ressalta que o método mais eficaz é o acolhimento, uma vez que quanto mais violência for aplicada, pior o quadro pode ficar.
“Se a violência for tratada com violência, ela não cessa pelo contrário tende a aumentar. Mas quando a violência é tratada sob o viés do respeito, da pacificação, do entendimento, das verdadeiras razões daquela violência, aí sim nós temos a chance de abrir consciências. O mote dos círculos é isso. Total coração e abrir a consciência. Aí então a mágica acontece, porque todos nós somos seres compassivos por natureza, bons por natureza, todos nós temos o nosso lado luz. Basta que seja bem estimulado para que cresça e floresça. E esse é o nosso grande desejo com os círculos”, complementou.
Assista à entrevista na íntegra: