CONTEMPORANEIDADES Segunda-feira, 06 de Julho de 2020, 10:09 - A | A

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ARIADNE CAMARGO

Miudezas

Ariadne Castro Camargo

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Professora, psicóloga humanista, pós-graduanda em Abordagem Centrada na Pessoa, aluna e voluntária da Organização Nova Acrópole Cuiabá. Instagram: psi.ariadnecastro

É tempo de olhar para as miudezas da vida, aqueles pequenos detalhes que nos fazem perceber que fazemos parte de um todo. Num momento em que estamos tão separados, distanciados por motivo de força maior, embora a tal força morra com água e sabão, fomos obrigados, por seu efeito devastador, a olhar para dentro.

Dentro primeiro de nossas casas, de onde não pudemos mais sair. Dentro das nossas famílias, porque enfim tivemos tempo para ela. E depois para dentro de nós mesmos em busca de algo que nos tire do tédio ou do desespero.

Quando somos impedidos de sair para rua, estar fora, ver gente, passear no mercado ou no shopping, temos que encontrar formas de perceber a vida pulsando, encontrar caminhos nos quais nos reconheçamos para além daquela casca-máscara que vestíamos todos os dias.

É nesse viés, quando encostamos as máscaras num canto e olhamos para a pessoa de fato, é que chamo a atenção para as miudezas, para os pequenos detalhes que nos fazem nos percebermos vivos e integrados a algo muito maior.

A que exatamente me refiro? Aos detalhes cheios de pulso e que nos impulsiona para a vida. E, claro, cada um percebe essa vibração de uma forma. Uns veem grandeza na árvore frondosa que generosamente deixa cair suas folhas de outono para exibir galhos há muito escondidos. Outros percebem a perfeição proporcional e infinita de uma pequenina flor que insiste em desabrochar diante dos primeiros raios de Sol. Por vezes, todos os dias na verdade, o próprio Sol serve de inspiração para meros mortais que reconhecem a grandeza daquela luz. Olhar uma planta ou ver legumes da geladeira serem capazes de criar raízes num pote de água é uma indiscutível prova de que a vida há de seguir.

Se continuarmos na pegada da natureza, exemplos de “miudezas” gigantescas não faltam, renderiam muitas e muitas páginas. Mas veja, essas vivências não dependem de shopping, do carro, da rua ou das pessoas. Elas simplesmente estão aí anunciando incansavelmente que há beleza no mundo apesar de todas as tragédias, nos dando notícias de que, apesar de qualquer vendaval ou furacão, a vida sempre se renova de alguma forma, ainda que não reconheçamos como naturais a forma nova por um tempo, assim como nos é difícil reconhecer no potencial de uma mínima semente, a mais perfeita flor ou a mais forte e imponente figueira.

Podemos também entrar um pouco mais e, nas olhadelas para dentro de casa e da família que consciente ou inconsciente nós evitávamos, reconhecer muitos outros detalhes que dão vida à própria vida. O feirante traz as verduras na porta de casa, a criança finalmente teve o pai por perto e com disposição para brincadeiras, já é possível compartilhar a mesa nas refeições, assistir àquela série que estava na lista de espera ou testar uma antiga receita da avó. É evidente que, para muitos, essa disponibilidade de tempo de que todos falam, quando só comem, dormem e entram nas redes sociais para postar um meme (porque agora está mais difícil fazer self contando apenas com os cenários domésticos) é uma grande ilusão, conto da carochinha mesmo, sobretudo para as mães. E por falar em mães... elas vão merecer um texto exclusivo porque neste não caberiam as atribuições, malabarismos e conquistas da maternidade em quarentena.

De toda a forma, num momento como esse, voltarmo-nos para o que é pequeno e cotidiano pode nos dar uma energia extra para continuar seguindo e acreditando que a onda vai passar e que, apesar dos estragos deixados por ela, das dolorosas perdas, deve haver uma semente adormecida prestes a se romper e renovar a vida.

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