CONTEMPORANEIDADES Quinta-feira, 10 de Setembro de 2020, 12:26 - A | A

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OSMAR SANTOS

Inteligência do coração - novo patamar do desenvolvimento humano

Osmar Francisco dos Santos

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Psicólogo junguiano transpessoal, fundador do Instituto Holístico do Saber

No texto da semana passada, falamos sobre a consciência como fator relevante para a qualidade de vida. Neste texto falaremos como a inteligência do coração está relacionada ao desenvolvimento da consciência de si mesmo e como ela pode nos afastar de uma luta contínua, a qual julgamos ser necessária à vida. A própria literatura, na obra de Gonçalves Dias, Juca Pirama, consta que: “...A vida é um combate que aos fracos abate e os fortes e os bravos só faz exaltar...”. Quando um eufemismo, uma verdade relativa vira sentença, passamos a repeti-la como se contivesse toda a verdade. Não é válida essa sentença poética quando nos referimos à inteligência do coração.

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Hoje a ciência diz que temos na realidade três cérebros, o cérebro conhecido, que mantém várias funções de controle da vida; o cérebro do coração, que de acordo com a ciência possui cerca de quarenta mil neurônios (células nervosas), que entre outras funções possui a capacidade de raciocínio, e o cérebro do intestino, onde são fabricadas as endorfinas. Nosso equilíbrio depende do funcionamento e harmonia desses três cérebros. O interessante é que o coração começa a pulsar no feto antes do cérebro se formar. Os cientistas descobriram ainda que nossos batimentos cardíacos não são meras pulsações mecânicas de uma bomba diligente, mas uma linguagem inteligente que influencia de modo significativo a maneira como percebemos o mundo e como reagimos a ele.

No aspecto da inteligência do coração, me recordo de uma frase de Sant Exupéry, o autor do livro O Pequeno Príncipe onde ele diz: “...Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível para os olhos”. Após abordarmos uns poucos aspectos da Fisiologia e da Literatura, o objetivo principal é destacar aspectos psicológicos advindos da inteligência do coração, bem como a sua fundamental importância para nossas vidas, sobretudo nesses tempos de profundas mudanças pelas quais passamos. Sei pelas experiências da prática psicoterápica que quem cuida de acessar a inteligência do coração consegue, em muito pouco tempo, uma ressignificação profunda da vida, pois a principal característica do coração é não julgar, mas ser capaz de construir uma ponte entre o céu e a terra. Ele consegue reconhecer a unidade subjacente entre energias contraditórias e construir uma relação de harmonia entre essas energias. Isso, de fato, ocorre porque a função da Luz não é combater as trevas ou transformar o mal em bem; luz e trevas; bem e mal, são opostos naturais, uma existe graças a outra. A verdadeira alquimia espiritual introduz uma terceira energia criada pela consciência da polaridade que abrange tudo que existe.

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Jung no texto “Em resposta a Jó” escreve que “Todos os opostos são de Deus e o homem deve curvar-se a essa realidade, e, assim fazendo, descobrirá que Deus, em seu caráter de oposição de opostos apossou-se dele. Ele torna-se então, um vaso preenchido pelo conflito divino. Deus atua a partir do inconsciente do homem e o força a interagir a partir das imagens que vem de seu inconsciente”. Essa ideia é, de certa, forma contrária ao que geralmente prega as religiões.

No Livro Vermelho, onde constam todas as experiências de Jung em relação ao inconsciente, certo trecho – essa parte escrita em 1913 - diz que o espírito da profundeza ensinou que as nossas ações e decisões dependem de nossos sonhos – manifestação diária de nosso inconsciente – momento em que ele, Jung, questiona como saber o significado dos sonhos, entender a sua linguagem, questão que foi respondida que o significado dos sonhos não estão em nenhum livro, nem na boca de nenhum professor, mas nasce de nós como o grão verde nasce da terra preta, pois a intuição está onde o saber erudito não está. No mesmo trecho, Jung questiona como obter o saber do coração, ao que é respondido que: só poderás obter o saber do coração vivendo e pensando o que não foi vivido e pensado – isso carece de ser explicado mais à frente. Agora é necessário citar uma parte realmente polêmica do texto quando Jung ouve do espírito da profundeza que o saber do coração é como seu coração é: de um coração bom conhece-se coisas boas; de um coração mau, conhece-se coisas más; para que nosso saber seja completo, devemos considerar que nosso coração é mau e bom ao mesmo tempo. Nesse ponto Jung questiona se devemos viver também o mal, ao que é respondido: o que ainda precisa ser vivido, deve ser vivido...

A questão de viver o que não foi vivido remete aos primórdios da Psicologia como ciência. Freud fala sobre a repressão, tudo que não é resolvido é reprimido no inconsciente, dando origem ao que chamamos complexos. À medida que aumenta o material reprimido, menos espaço tem a personalidade para gerir a vida. Os complexos constituem a prioridade principal a ser observada nas terapias, pois após reprimidos, ganham autonomia e interagem com a mente consciente, perturbando sua ação. Como o acesso ao coração ocorre apenas no silêncio da mente lógica, fica difícil para ela silenciar através da tagarelice mental dos complexos. Para maioria das pessoas o hábito de meditação produz efeitos efetivos na busca do silêncio mental.

James Hillman, um dos mais importante seguidores de Jung, faz uma comparação entre vários aspectos do coração: “O coração de Hervey, já morto, 'aptidão física', substituindo vitalidade, cria a desolação na qual ele malha, de ouvidos tapados, cego de suor, de estender sua expectativa de vida, zumbis criando o deserto ao correr e correr sem ter aonde ir. Se a beleza para o movimento, o movimento erradica a beleza - parece que aqui Hillman faz referência às esteiras rolantes das academias. E o coração de Agostinho fracassa para além da íntima mea culpa, culpa mea, trabalha nele sozinho ou em confissões grupais. Subjetivismos sem raiva – Aqui cabe entender que Hillman se refere a algo como a oração do ato de contrição que coloca a culpa no homem, como o coração não julga, não há como admitir a culpa, pois na verdade ela não serve para nada, a não ser para atrapalhar a consciência. Hillman considera a raiva, certo tipo de raiva como fundamental para processar mudanças profundas.

A diferença entre a gestão da vida pela mente lógica ou pelo coração é que vontade da personalidade baseada na mente lógica pressiona a realidade que tem que ser forçada para aquilo que a personalidade quer que você acredita. A personalidade trabalha a partir de um conjunto de análises básicas a respeito de como a realidade funciona, as quais, em sua maioria, são baseadas no medo e nas necessidades, colocando o julgamento em tudo que observa. Tudo precisa ser dividido em categorias, precisa ser rotulado como certo ou errado.

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Quando se vive a partir do coração, não existe um conjunto fixo de crenças a partir das quais damos valor aos fatos. Não precisamos mais sustentar convicções sobre nada. Passamos a viver como observadores, adiando os julgamentos morais sobre qualquer questão. Os julgamentos sempre têm algo de definitivo, mas o coração não está interessado em definições. Quando usamos o coração, seguimos o fluxo das coisas tal como se apresentam, pois existe um ritmo natural em tudo que não tem, necessariamente, a velocidade que pensamos que é necessária.

Em muitas ocasiões o desespero ou a frustração é causado pela expectativa do que achamos que deve acontecer na nossa vida. A frustração nos leva sempre à luta. Mais eficiente que uma vontade forte é um coração aberto para receber. 



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