Tenho a impressão de que vivemos num constante “agora não”, apesar de o frenesi cotidiano dizer a cada segundo, “tem que ser agora”. Olhe bem, se a cada momento em que estamos fazendo alguma coisa, seja por lazer ou mera obrigação, acabamos por dizer “agora não” para muitas outras coisas.
O grande problema, olhando daqui, é que acabamos dizendo não para pessoas importantes para nós, dizemos não para um sonho, dizemos não para a nossa humanidade. E o tal do ‘agora não’ vem sucedido de um agora que nunca chega, em favor de várias frustrações para as quais dizemos sim a todo momento.
Passamos pelo feed das redes e dizemos ‘agora não’ para aquela notícia que toca de forma tão dolorosa, capaz, talvez, de nos tirar da zona de conforto e nos sensibilizarmos com a atrocidade da criança violentada, submetida a julgamento de uma sociedade aos berros, tolhendo direitos, deixando marcas, ferindo alma. Nesse ‘agora não’ deixamos para outra hora nossa reflexão do que poderia minimizar horrores e quais são nossas pequenas ações em direção a um mundo com menos feridas que doem e reclamam.
Nos deleitamos por horas em fotografias virtuais alheias, sonhando com aquela beleza e aquela vida, cheia de cores, viagens e prazer, sem, no entanto, dizermos ‘agora sim’ para um momento sequer de deleite real, com som, cheiro e textura. A desculpa é sempre a mesma, “não dá tempo”, quando na verdade o que falta mesmo é vida, falta coragem ou vontade de sair do lugar de expectador e entrar em ação por um propósito realmente humano.
Nesse hábito de deixar para depois, passamos uma vida inteira em profissões nas quais não podemos realmente colocar em prática o melhor que temos em nós. Ignoramos chamados da alma para algo que faça sentido, em favor dos boletos que pagamos com desprazer porque também o trabalho não engrandece a alma. Protelamos a escolha difícil de sermos pessoas melhores para o mundo porque isso dá trabalho, exige esforço, a recompensa é a conta-gotas e só conseguimos sentir seu sabor se colocarmos a atenção no agora, mirando para o ser humano que temos o potencial para ser.
Entramos na loucura de atender expectativas alheias, com ações e profissões consagradas que não expressam em nada o que realmente somos, apenas para publicarmos nas redes ou para ouvirmos um elogio que massageia o ego sem trazer, de fato, a sensação de dever cumprido. Aquela sensação real, que só temos quando cumprimos verdadeiramente nosso dever em consonância com o que há de mais verdadeiro dentro de nós.
O preço desses tantos “agora não” são incalculáveis porque podem ser cobrados numa saúde física ou emocional debilitada, em momentos com filhos, companheiros, pais e amigos que jamais poderão ser recuperados porque ficaram presos num tempo, naquele agora que nunca chegou e nem vai chegar.
E quando, de súbito temos um lampejo de energia motriz, a deixamos se esvair em mais uns minutinhos nos feeds ou nas propagandas que nos prometem realizar o sonho, mas sustentado em meras fantasias que jamais se realizam. Outra vez nós dizemos “agora não”, perdemos o bonde, perdemos a vontade, perdemos o que era necessário viver para atender o olhar de quem quer que seja.
Mas... como tudo na vida tem lado bom, se conseguirmos nos ater àquela sementinha de força, fizermos os movimentos necessários, sairmos da fantasia e do conforto para caminharmos, sem pressa, mas sem pausa, em direção a uma versão melhor de nós mesmos, podemos vislumbrar um horizonte mais amplo, mais limpo e inteiro.