CONTEMPORANEIDADES Sexta-feira, 07 de Agosto de 2020, 12:55 - A | A

Sexta-feira, 07 de Agosto de 2020, 12h:55 - A | A

SILENE FERREIRA

A gente (se) consome

Silene Ferreira

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Publicitária, taróloga, estudiosa de Mitologia, Oráculos e do Sagrado Feminino. Geminiana e gateira. Uma mente inquieta, que só sossega escrevendo. No Instagram: @Mythologika

Sempre julguei as pessoas que consumiam demais. Hoje entendo e, confesso, também faço parte da turma com espaços reduzidos no guarda-roupa, mas repleta de vazios.

A verdade é que todo excesso esconde uma falta. Sempre é pra preencher uma lacuna, amenizar uma dor, remediar um problema. Dar alento ao que já era, ou mesmo ao que nunca foi. A tal da “lei da compensação”.

O carinho que não veio, a promoção que não saiu, o time que perdeu, os planos que deram errado. Todos os sonhos de felicidade que se perderam pelo caminho, aliviados pela satisfação instantânea de um capricho atendido.

E a gente tenta compensar se recompensando, como se uma maçã matasse a vontade de um bolo de chocolate com recheio e cobertura, como se pudesse ainda se agarrar a um restinho de infância, quando um afago curava a dor de um tombaço, um beijo na bochecha cicatrizava um joelho esfolado.

Mera ilusão. Minutos depois, a novidade se esgota, o copo se esvazia, o efeito passa, o gozo termina. De volta ao labirinto particular da compulsão.

E a gente continua, bichos famintos à caça de não sei o quê, crianças chorosas pedindo colo. Adultos quebrados em busca de aceitação. A gente pede socorro sem gritar, polidamente, como a sociedade recomenda.

Leia mais: Sábios, como os ciganos e as serpentes

A gente SE consome, deixa de experimentar outras formas de saciar esse desejo interminável, deixa de aproveitar o tempo que tem. Torna-se buraco-negro, vácuo, consumindo também o tempo, a energia e os sentimentos de quem inocentemente se aproxima, sem pensar no quanto pode ser tóxico, sem se dar conta do próprio egoísmo.

A gente não entende que não importa o que se coloque nas gavetas, nos armários e na vida, seja o que for, nunca será suficiente se não vier de dentro, se não se auto completar.

E a gente consome pra não pensar. Pra roubar no jogo da vida, quase nunca justo.

Pra fingir, enganar, mentir pra gente e pro mundo, que está, que é feliz.

Consome pra não se consumir. Consome pra sobreviver.  



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Liliane Coelho 14/08/2020

Lindo! Verdadeiro e muito bem escrito, como tudo o que você faz. A gente se consome mesmo e preencher as lacunas, apagar as faltas é pura ilusão. É que assumir tudo isso não é "bom ou bonito" para a maioria das pessoas. Mas ostentar uma roupa nova, um carro do ano ou uma bolsa de marca, sim. Quero mais é me importar, cada vez menos, com isso. Obrigada por me fazer pensar mais sobre isso. : )

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