Há cerca de cinquenta anos iniciou-se a libertação feminina de um papel de coadjuvante perante ao homem. Isso se deu graças à ciência, que, inicialmente, ao criar pílula, deu à mulher poder sobre seu corpo. Depois a criação de vários eletrodomésticos, iniciando pelo fogão a gás e a máquina de lavar, posteriormente outros equipamentos e utensílios, libertaram a mulher de tarefas enfadonhas e repetitivas que tomavam todo seu tempo, impedindo-a de progredir. Nas famílias economicamente mais favorecidas, as meninas frequentavam escolas e cursos com conteúdos que contemplavam as prendas domésticas e as artes de receber.
Na sequência dessas mudanças, a mulher fez sua parte muito bem, procurou estudar e se preparar para as oportunidades profissionais, que até então, eram ocupadas somente pelos homens. Somente há pouco mais de cinquenta anos os cargos do Banco do Brasil eram ocupados apenas pelos homens. A participação nas forças armadas e outras profissões e ocupações direcionadas apenas aos homens, estavam fora de cogitação.
Esse oportuno e necessário progresso das mulheres, por outro lado, revelou a crise de identidade a qual os homens ficaram expostos. É necessário salientar que não foi o progresso da mulher que causou tal crise nos homens; isso já existia, mas estava encoberto pelo patriarcado social que colocava a mulher em posição inferior ao homem. A este era naturalmente facultado o acesso ao trabalho e as atividades sociais, enquanto a mulher aparecia apenas como coadjuvante. Ante uma mulher independente, inteligente e capaz de gerar recursos, empreender, os homens, em sua maioria, não conseguiram colocar suas esposas numa posição de parceria. Para muitas mulheres, o trabalho dobrou, além dos compromissos profissionais, que contribuíam no orçamento doméstico, muitos afazeres com a casa e os filhos continuaram.
A que se destacar que a identidade masculina plena se revela pelas virtudes da justiça e compaixão, as quais devem acompanhar os homens identificados com o poder. Uma vez que essas qualidades são indispensáveis à organização da família e das instituições, dando-lhes um caráter de sustentabilidade. Enquanto a identidade feminina se identifica com a qualidade da vida, a celebração da própria vida, em suas qualidades máximas da beleza do Eros. Infelizmente, os homens, em sua maioria, entendem Eros, apenas no sentido do instinto da sexualidade, escapando-lhe por completo a amplitude da estética erótica. Celebrar a vida como a festa do esplendor da natureza é o que diferencia o homem do homem-animal.
As características da crise de identidade masculina se revelam de muitas formas. Algumas com a manifestação trágica da violência doméstica, quando o homem primitivo considera a sua mulher como sua presa, sobre a qual ele tem amplo direito. Em outros casos, existem os homens que ocupam cargos em instituições, públicas ou privadas, e exercem seu poder de modo injusto, praticando o assédio moral. Existem ainda os homens infantis ligados às relações objetais como carros e motos e outros objetos que os identifica. Há ainda os homens promíscuos que não têm capacidade de ter uma única mulher. São tantas as características dessa crise generalizada e universal que assola os homens que não podemos esquecer dos homens apaixonados pelos esportes radicais violentos, ligados nas lutas de MMA, onde agridem o outro até sangrar. A esses também estão ligados aqueles que assistem, que patrocinam, aplaudem, fazendo da violência algo retrógrado aos gladiadores romanos. Nessa crise de identidade masculina, não podemos deixar de incluir aqueles homens que ocupam cargos públicos como representantes do povo, e roubam e trapaceiam, organizando conchavos para permanecer no poder.
James Hillman, expoente autor da Psicologia Analítica, disse que a masculinidade assertiva é duvidosa, pois ela esconde o complexo materno que controla o homem. Nesse caso, seu heroísmo, para provar sua masculinidade, não tem efeito duradouro, pois sempre o herói precisa renovar sua luta e no final acaba sempre mal. O herói, que faz parte da adolescência do homem, precisa dar lugar ao guerreiro, pois esse sim, tem um propósito para lutar. Já o herói é romântico e sem objetivo. Por isso os limites humanos não são mais suficientes, por esse motivo, fazem tanto sucesso os filmes de heróis com poderes sobre-humanos.
Ante esse homem pouco identificado com uma masculinidade plena capaz de fazer diferença na sociedade, como naquela frase do filme A CRUZADA: “que homem é o homem que não torna o mundo melhor?”, a mulher se vê frustrada em seus relacionamentos afetivos e acaba fazendo concessões para mantê-los. Uma mudança de comportamento não se faz de uma hora para a outra. O que não foi conseguido pelo pleno desenvolvimento masculino, terá agora de ser conseguido pela expansão do espírito, pois na velocidade em que as instituições hoje mudam, apenas um salto quântico pode nos garantir continuidade.